segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A lenda do Capitão Barba-Molhada


PERSONAGENS

Henry “Come-Dedos” Dawkins, marujo
John “Costela” Morgan, marujo
Burt “Ugly Barbecue Legs”, cozinheiro
Capitão Willie William Will o’Well, capitão do navio

Noite em alto-mar. O navio do capitão Willie William Will o’Well desliza, quase parado, sobre as águas do mar caribenho. A maioria da tripulação de piratas está dormindo e todo o estoque de rum acabou com exceção de uma última garrafa, ou, pelo menos, do que sobrou dela, nas mãos dos marujos Henry e John que estão no convés, a essa altura, bêbados a ponto de fantasiarem suas próprias histórias de piratas.

HENRY – (delirando de bêbado) Subir vela-mestra, levantar âncora, treinar macacos, soprar navio! Galináceos!

JOHN – (bêbado) Com mais de trinta mil ratazanas mortas, Henry, aonde está o nosso rum? Na velocidade em que estamos tudo o que encontraremos na cidade serão tartarugas de ressaca! Somos um coqueiro no meio do mar! Não há rum, não há ouro, não há vento...

HENRY – (enrolando as palavras)...então que soprem o navio, seus bexiguentos!! (soluça) Hahahahahah!!

JOHN – Quem você pensa que é, Henry “Come-Dedos” Dawkins, para dar ordens aos homens da minha embarcação?

HENRY – Seu pedaço de lagosta podre, eu sou o capitão agora!

JOHN – Só enfincando uma adaga em meu crânio!

HENRY – Eu já te venci uma vez, capitão John “Costela” Morgan, não vou sujar minha lâmina novamente.

JOHN – Não há duelo que se vença sem morte, estamos vivos, e, nesse caso, você sabe o que diz a lei da pirataria...

HENRY – Um duelo de bravatas! Hahahahaha, seu caga-tacos!

JOHN – Pernas de alicate!

HENRY – Olhos de carneiro mal-morto!

JOHN – Trombudo!

HENRY – Moréia desmamada!

JOHN – Mussolini de carnaval!

HENRY Arroto de baleia!

JOHN – Molusco desidratado!

HENRY – Pequena Sereia da Terceira Idade!

JOHN – Vegetariano!

(chega Burt “Ugly Barbecue Legs”, o cozinheiro)

BURT – Seus chimpanzés, parem de macaquear e fiquem atentos ao mar!

JOHN – (bobo-alegre) Estávamos nos insultando, Burt. Quero provar que sou o melhor para comandar o navio!

BURT – Cloaca de frango mal-cozida, por onde anda o rum que tanto alegra essa noite atípica dos mares caribenhos e os fazem pensar que têm colhões para comandar uma tripulação?

HENRY – Não há com o que se preocupar, Burt. O mar está parado, não há sequer o menor movimento de um cardume por aqui.

BURT – Já parou para olhar a nossa volta, pirata ranhoso?

HENRY – Só vejo neblina e portanto não vejo nada em volta.

BURT – E em nada estranham o clima adverso que paira nesse mar de calmaria? A hora passa e a neblina cada vez mais se aproxima das nossas narinas de cachorro sarnento, essa noite fria e nublada esconde a lua e as estrelas para confundir nossa rota. O capitão Will o’Well tem comentado com toda a tripulação sobre o acontecimentos atípicos das últimas noites... Depois da morte de Norm Trevor Hailway “Conta-Gotas” Morrison os mares não têm sido mais os mesmos.

JOHN – Qual a relação entre a morte de um capitão e a ordem natural das coisas, o clima, as estrelas?

BURT – Trevor “Conta-Gotas” Morrison foi condenado a morte pelos porcos britânicos da mesma maneira com a qual torturava as suas vítimas. Acontece que durante o seu julgamento toda a sua tripulação negou a responsabilidade pelas mortes e pelas pilhagens realizadas juntos e preferiram o serviço social. Então fugiram feito abutres famintos que migram para o sul, para as montanhas atrás de carniça podre de rato. Restou a Trevor “Conta-Gotas” o mesmo destino que aplicava a seus inimigos: foi enterrado até a cabeça, na areia, durante a maré baixa para que, aos poucos, o aumento do nível da água do mar o afogasse.

HENRY – Blábláblá! Histórias de bebedor de leite!

BURT – O que andam dizendo por aí é que, ao contrário do que todos deduzem, Trevor não morreu.

HENRY – Não, não morreu, ele saiu nadando com as orelhas!

BURT – Não, imbecil. Trevor foi salvo por Lorena, a baleia gigante que o acompanha na sua missão de vingança contra os larápios britânicos e contra todos aqueles que se dizem honrados por serem piratas. Os sinais de que vai haver um ataque de Trevor são conhecidos pela estranha adversidade climática que acomete o alto-mar: faz frio, a lua some entre as nuvens do céu, a neblina se condensa de modo que não se veja um barril a sua frente e então, o último sinal: uma garoa fina, imprópria das grandes ressacas que temos por aqui nessas ilhas do Caribe. Ao longe Trevor, montado em sua Lorena, uma baleia equivalente a pelo menos cinco das maiores embarcações juntas, surge para dilacerar todo e qualquer tipo de vida não-marinha que flutuem por essas águas. Desde o início desses episódios ninguém se lembra mais de Trevor; agora a pirataria da região e o governo britânico conhecem apenas o Capitão Barba-Molhada.

HENRY – Ora, quem se importa com histórias de baleias assassinas? O Capitão Will o’Well insiste em conversar com um papagaio morto.

JOHN - É parte da nossa natureza, a vida no mar, a solidão. Às vezes eu me sinto meio maluco também. Sabem? Olho pro céu e penso no que pode existir além de todo esse mar e de toda essa terra. Penso em um futuro em que, no fim dos tempos, as estrelas significariam alguma coisa para os seres humanos. Não temos mulheres, mas temos papagaios, baleias...

HENRY – Tudo ficou mais nublado de repente, não?

JOHN – Alguém viu a garrafa de rum por aí?

HENRY – Veja! Lá está o nosso rum montado em uma baleia gigante! Hahahahah!

(Os dois caem em ébrio riso)

JOHN – Subir velas! Puxar âncora! Executar o canto das baleias!

HENRY – Soprar o navio!!

(Gargalhadas ébrias e alopradas)

BURT Cardume de estrume! Desova de bosta! Vou cortar seus testículos fora e servir com batatas!

(Forte estrondo da porta da cabine do capitão se abrindo. Sai o Capitão Willie William Will o’Well com uma tocha acesa na mão e uma espada na outra.)

Will o’Well – (aos urros) Barba-Molhada!! Seu monte de carniça decomposta! Vou cortar você e o seu cachorrinho em pedaços para que exponham simultaneamente nos museus de anatomia de cada país desse mundo! Te darei as bagagens, as passagens e as chaves para o inferno! Revele-se! Seu cão vira-latas! Biltre fedorento! Apareça!!

(Um trovão ao longe. Começa a cair uma garoa fina)

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